quinta-feira, 26 de março de 2009

Muito para além II



… Superar a aridez dos desertos da alma e convertê-los em jardins frutados. É esse o caminho que ela trilha.



Naquele dia nasceu um sol mais vigoroso que nos outros. Ela saltou da cama de rompante, algo que já não acreditava ser novamente possível – tantos, tantos meses passados em letargia! – , e lá correu desalinhada até à porta de casa. Parecia saber!
Deixou-se cair prontamente de joelhos e abriu um pedaço mal-enjorcado de papel que tinha esgravatado freneticamente lá na frincha da porta. Algures nos borrões encarquilhados os seus olhos agitados puderam ler:

"Por tantas vezes falámos, por tantas vezes desaparecemos uma da outra… Não sei se é desse perfume que nunca cheirei ou desses braços emagrecidos pelas dores da vida que nunca me abraçaram, mas sinto a tua falta. “

“Oh, diabos!” – pensou ela de sobrolho franzido, quando notou que o bilhete não estava assinado...

segunda-feira, 23 de março de 2009

DESEJOS

Correm pelos veios das montanhas…
Embatem contra monumentos, estatelam-se em rochas.
Cabelos esvoaçam e estilhaçam,
Relincham dor – tanta história por aleitar!
Choram mentes e mudanças!

Sempre os ouço… não me dão paz.
Falam-me de margens além, caminhos que não consumi.
Anos passam e eu só fixo o que lá vem,
Parto espelhos e não me revejo, só vejo e anseio.
Invoco demónios e os planos que me reservam!

O espectro que nasceu deste meu regaço
Extravasou sonhos megalómanos,
Forças que não retenho;
Que não me captam, mas que magnetizam.
Laceram a tal ponto – quero evadir!

Repudio o viver. Desejo horizontes!
O meu último reduto é agigantar o que cá trago...
Ser mais que dois pés no solo comum. Emergir.
Almejo ser ferro e pedra, mas muito mais…
Quero ser o lar da mais bela das obras!

Ânsias que são; são as que não me assistem
Chegarei lá um dia, se os ventos me ajudarem
Quem sabe, sozinha… quem sabe, comigo.
Até lá procuro-me
E não me encontro.

sábado, 7 de março de 2009

Só hoje

...


Meu anjinho da guarda…

Hoje não te peço forças para amarrar a cabeça e abrandar a carne. Hoje (e só hoje) desprezo a ânsia de ser ferro… e com brio te digo que hoje (e só hoje) nada tenho a pedir-te.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Ser eu!

Bom é ser eu.
Bom é saber que barcos e barcos passaram pelas águas intempestivas da minha alma e que mesmo assim encontraram quietude no pontão deste meu corpo desmazelado. É bom saber que não mudei. Saber que me erigi ainda mais forte, de faca em punho e rosa na lapela, pronta para travar mais uma contenda. Saber que amigos só tenho os que tenho (e não os que julguei ter).

Bom é ser eu.
Reconhecer que neste meu sangue fervilham valores que me foram passados pelos meus mentores, alguns dos quais desvirtuados pelas chagas da vida; outros tantos nascidos das mesmas mazelas. Bom saber que aprendi tanto. Aprendi que muitas vezes me perdi, mas que encontrei o meu caminho. Muitas vezes caí e tantas outras me levantei. Nem todo o rio que tentei atravessar me deu tréguas; nem toda a porta que tentei abrir me mostrou o outro lado.

Bom é ser eu.
Bom é esperar que a tempestade acalme no meu coração impetuoso e irascível… e ver que afinal sou cordeiro terno e sadio. Saber que trago em mim uma força pronta a brotar de cada vez que me pisam a mão do afecto, chacoteiam da minha natureza, ou me ferem o orgulho! Saber sarar-me desde os interstícios do meu ventre aos pequenos e atolados quartos da minha emaranhada cabeça. Sorrir de cada vez que coloco gaze no meu ego… e acreditar uma vez mais!

Bom é ser eu.
Bom é saber que afinal não lançaram mal os dados da minha existência! Aprendi que a minha tristeza é ténue e escorreita, que a minha alegria é fugaz e vigorosa, e que não passo sem nenhuma das duas! Aceitei finalmente que sou humana. E lá porque por vezes me perco, não quer dizer que esteja perdida…

Bom é poder arregaçar as calças, entrar nas frias águas de mais um rio… e novamente desafiá-lo com toda esta minha delicada, porém infatigável Humanidade.